28.5.15

Conta a Joaninha que a prima Helena lhe escreveu, que está numa aflição de dar dó. Casada à pressa para esconder a barriga de dois meses, já vai grávida do terceiro, que há-de nascer para Dezembro. Com os filhos veio o peso, carne que não era sua, e da bela rapariga de antigamente, a mais chamada para dançar nos bailes da casa do povo, apenas resta uma mulher amargurada. O marido, um primo em segundo grau, sempre foi de se encostar, um roça-esquinas, esclarece a Joaninha, entre dentes, ia fazendo uns biscates aqui e ali, quase sempre na construção, mas há coisa de um ano, o patrão foi para Angola, e desde essa altura nunca mais arranjou nada. O patrão ainda lhe perguntou se ele queria ir também, mas ele disse logo que trabalhar p'ra pretos, nem morto! Helena, que ganha pouco mais do que o ordenado mínimo na fábrica do calçado lá da vila, anda farta de chorar. Às bebedeiras, que são diárias, tantas vezes com um olho negro à mistura, porque ele com os copos nem sabe o que faz, juntou-se agora um par de assistentes da segurança social, com caras de fuinhas, a bater-lhe à porta todas as semanas. Que vêm saber dos meninos e da estrutura familiar. Joaninha pára por uns momentos, baixa a cabeça, como que para dar tempo à reflexão profunda daquele grupo que a escuta. Funga no lenço branco de papel, enquanto as suas ouvintes, público experiente nestas coisas que são as novelas da vida, aproveitam o momento para reforçar os laços de empatia com a triste história que Joaninha partilha. Suspiram, umas e outras, cada uma à sua maneira, enquanto vão lamuriando, coitadinha... quem diria... mas que tristeza... Joaninha, já mais calma e com a lágrima segura, reinicia a descrição do calvário familiar.