31.5.15

Na sombra da grande glicínia violeta-claro, enquanto bebem os seus cafés em copos altos com gelo, as mulheres conversam sobre a vida de uns e outros. De todas, a que se consegue ouvir melhor, com a sua voz de comando, é a D. Deolinda. Tenta motivar as outras para uma marcha de protesto, por causa da falta de médicos no centro de saúde. Todas concordam que aquilo não pode ser, ficar assim, uma vila inteira, com apenas dois médicos, e um deles quase nem se percebe, que é espanhol ou venezuelano ou lá o que é. Agora falam todas ao mesmo tempo, contam, cada uma, a sua ida mais recente ao posto médico e o tempo que lá se perde. Algumas recordam o Sr. Pereira, que acabou por falecer na ambulância dos bombeiros, a caminho da cidade, depois de duas horas à espera. O caso, ocorrido no verão passado, tinha dado muito que falar e até tinha passado nas notícias nacionais.
D. Deolinda, viúva desde cedo, com dois filhos pequenos na altura para criar, sempre foi uma mulher aguerrida e decidida, com jeito para a organização. Não há uma marcha, vigília ou procissão na vila, em que ela não esteja à cabeceira. Nem o padre Eusébio, de jeito casmurro, ousa retirar-lhe a liderança. Ainda o tentou uma vez, logo quando chegou à vila, e quase ficou sem a paróquia.
D. Deolinda levanta o tom de voz, para que se faça silêncio entre as raparigas, e propõe a marcha já para a próxima sexta-feira, só precisa de tempo para fazer o post no facebook, avisar a gnr e falar com os jornais da região e com as televisões. Durante a semana é partilhar com toda a gente. O costume, concordam?
Como um batalhão da infantaria, todas respondem em uníssono que sim e começam a preparar as palavras de ordem para os cartazes. Alguém sugere que se deviam vestir-se de preto para dar mais nas vistas, algumas ainda contestam, que está muito calor para isso, mas acabam todas por concordar. Todas de preto, sim, que a vila está de luto, gritam. 
Nesta algazarra, um casal de turistas de meia-idade, que aproveitava o miradouro do café sobre o rio para tirar as fotografias da praxe, acaba por se levantar e abandonar as duas águas das pedras quase cheias. Pelas expressões faciais incomodadas, percebe-se que devem estar a maldizer o guia turístico que lhes afiançava, the natives are very calm and peaceful.