20.6.15

A tia Miquelina foi à Suiça ver a filha em Abril e de lá já não voltou. As ruas tão limpas, os canteiros cheios de flores, as matinés na Associação, aos domingos à tarde. Já mandou ordens ao irmão que lhe venda as galinhas e os coelhos e, pelo amor a S. Francisco de Assis, a quem a tia Miquelina sempre devotava a boa parição das fêmeas da coelheira, lhe tome conta da Malhada, até que o genro, em visita à mãe, operada às cataratas no início do próximo mês, lha leve. Encontrara a pobre bicha ainda pequena, há mais de seis anos, escondida no meio de um silvado, depois de ter levado pancada de automóvel ou de alguma mão sem coração. Miava de dar dó, assustada e cheia de fome, mas felizmente sem nada partido, como depois de um exame preliminar pelas mãos sábias do Sr. Gomes, o veterinário, se veio a saber. A tia Miquelina passou a tarde inteira, de braços e mãos picados, dentro da roupa preta, sob o sol abrasador de Agosto, teimando em não desistir até tirar o pobre bichinho de lá. Valeu-lhe a latinha de atum, que se lembrou de ir buscar a casa. Depressa se habituaram uma à outra, amparando-se entre o silêncio, a necessidade e a companhia. A tia Miquelina nunca mais chorou, nas idas ao cemitério.